30 de set. de 2008

ERIK - VIII Capítulo


Finalmente estava no porto de Dover ao lado do caixão, onde um morto desconhecido me fazia companhia. Este, pelo menos seria enterrado em um ataúde decente. A maioria destes indigentes era sepultada em vala comum, nos arredores da cidade.
Tivera algumas dificuldades para conseguir um cadáver recente, mas graças a um amigo que trabalhava no morgue da cidade, pude ir em frente com nossos planos. Também tive de recorrer a um falsário para conseguir os documento de liberação do defunto nos portos. Até aí, já cometera dois crimes. Certamente não pararia por aí. Já estava pensando em regularizar a situação de Erik, talvez com uma nova identidade. Pensaríamos nisso mais tarde.
Claro que se não fosse o dinheiro, nada disso seria possível. Mas não tinha outra maneira. Não podia arriscar a perder tudo que conseguira até agora. Para continuar minha sociedade com Erik teria de ser assim. Além do mais, gostava dele. Era um bom amigo. Sofrido, com um passado nebuloso, mas uma pessoa de boa índole. Não conseguia imaginá-lo com um criminoso procurado. Às vezes tinha curiosidade em saber o que ele tinha feito para ser perseguido depois de tanto tempo.Mas não ousaria perguntar-lhe. Nem procuraria informar-me por outros. Não importava. O passado era passado. Seria enterrado para sempre nos próximos dias. Até então, eu não tinha noção da importância do presente no futuro. Mas agora, com o aumento da entrada de dinheiro, as possibilidades eram infinitas. Pela primeira vez eu me via fazendo planos. Planos de ampliação da joalheria de meu pai, talvez filiais em outras cidades. Planos para ter minha irmã junto a mim, novamente como uma família. E isto tudo só tinha sido possível graças a Erik. Disto eu tinha plena noção. Como ele já havia declarado um dia, o dinheiro tudo comprava. Compraria nosso futuro, nossa felicidade. Ele me ensinara a ser ambicioso.
Esperava que as cartas tivessem sido devidamente entregues às destinatárias. Será que a tal viscondessa estaria a minha espera em Calais? Estava ficando ansioso. Não tinha como voltar atrás.
Erik estava seguro em Londres. Já enviara uma mensagem dando conta disto. Ficaria aguardando os acontecimentos de Paris.

Finalmente chegamos. O barco lançou sua âncora. Tentava procurar a figura feminina que meu amigo me descrevera, de uma jovem frágil, de cabelos escuros encaracolados, vestida como uma dama da alta sociedade. Não consegui achar ninguém com esta descrição. Começava a ficar preocupado, quando, ao desembarcar e colocar-me junto ao caixão na alfândega, fui abordado por um cavalheiro alto, de cabelos louros lisos, elegantemente vestido, que se apresentou:
_ Eu sou o Visconde de Chagny. Presumo que o senhor seja Paul Marback?
_ Ah, sim! Muito prazer, visconde. Vejo que o senhor fala bem o meu idioma. Que bom, pois o meu francês deixa muito a desejar.
Tentei cumprimentá-lo com minha mão direita, mas ele não correspondeu. Esnobe!
_ Estou com minha carruagem a espera. O esquife seguirá em uma carroça que aluguei especialmente para isso. Assim que o liberarem, seguiremos viagem. Quero que isto acabe o mais rápido possível.
_ O visconde não vai querer ver as provas do que estou trazendo?
_ Ah, claro! Assim que iniciarmos a ida à Paris, poderemos conversar melhor a respeito. Vou aguardá-lo na saída do porto.
Ele parecia tão apreensivo quanto eu, apesar da empáfia.
Pela segunda vez conseguira passar com os documentos falsos. O sujeito falsificava bem mesmo. Talvez viesse a utilizar seus serviços novamente.
Depois de acomodar o morto dentro da carroça de carga, entrei na nobre diligência onde eu seguiria com o aristocrata francês. Pegamos a estrada.
_ Então, como o senhor pode comprovar que este cadáver pertence àquele marginal?
_ Gostaria que o senhor se referisse a ele como Sr. Erik. Ele era meu amigo.
_ Acredito que o senhor não saiba dos atos abomináveis de seu “amigo”.
_ Nem pretendo saber. O importante agora é levá-lo em segurança a Paris e permitir-lhe seu último desejo.
_ Se é assim.
_ Aqui estão as provas de que falei em minha carta.
Dizendo isto, abri minha pequena maleta de mão e de lá retirei um embrulho. Cuidadosamente o abri e deixei que o francês visse seu conteúdo.
Pude observar que ele emocionou-se ao ver a máscara de Erik e o pequeno anel de noivado, que insistia em reluzir à luz do sol que entrava pela janela do coche. Parecia petrificado com aquela visão.
_ Então? Acha que estas são provas suficientes para acreditar que o cadáver que estou conduzindo naquele ataúde é do senhor Erik?
_ Como...como você conseguiu estes “objetos”?
_ Eles me foram dados pelo próprio, antes de falecer. Guardava-os como relíquias de seu passado. Acabaram tornando-se úteis, pelo que estou vendo.
_ É, não há dúvida de quem é o seu “amigo”.
Seu olhar endurecera-se. A emoção parecia ter abandonado sua face.
Na primeira parada que fizemos, o visconde enviou um mensageiro que nos acompanhava a cavalo, levando uma carta. Fiquei curioso para saber quem receberia a missiva. Seria sua esposa, a tal Christine? Logo saberia.
Levamos dois dias para chegar a Paris, sem paradas para dormir. Fazíamos refeições rápidas nas tavernas da estrada e prosseguíamos a viagem. Poucas palavras foram trocadas. Ele realmente estava convencido. Mais uma etapa fora ultrapassada, para meu grande alívio. Agora, só faltava o “gran finale”. O sepultamento.


Um comentário:

Lucy disse...

Puxa, isso é que é amigo! Ajudar tanto sem se importar com os detalhes do passado...

E até é natural a empáfia do Raoul diante dessa situação constrangedora e difícil para ele.

Não se justifica, é claro, pois acho que cortesia e boa educação deve fazer parte de todos os momentos da nossa vida, mas talvez isso devesse, também, ao fato do Paul se dizer amigo do Erik e, para o Raoul seria difícil conceber a idéia de alguém ser amigo de uma pessoa que lhe foi tão cruel no passado.

O importante é que as coisas estão se arranjando. E olha, muito corajoso o Paul!

Beijinhos...